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O MARINHEIRO

          O Marinheiro, do genial escritor português, Fernando Pessoa, foi escrito em 1913 e publicado na primeira edição da revista Orpheu, no ano de 1915, em Lisboa. Lembrando que Orpheu era uma revista do movimento modernista, que o próprio Fernando Pessoa ajudou a criar.

         Antes de mais nada, é preciso ressaltar que O Marinheiro é um pouco como um estranho no ninho na obra do escritor português. Por que eu estou dizendo isso? Porque O Marinheiro é uma peça de teatro, gênero que não foi muito explorado por Pessoa e talvez sua única peça finalizada. Quer dizer, isso é o que sabemos até agora. Já que Fernando Pessoa deixou mais de 30 mil páginas escritas e muita coisa ainda nem foi publicada.

         Mas vamos ao O Marinheiro. Ele aparece em alguns livros como um poema dramático. Não concordo muito com essa classificação que é antiga. O Marinheiro tem todos os elementos de um texto teatral, como descrição do cenário, estrutura em discurso direto, uso de rubricas, enfim, tudo que caracteriza o texto de uma peça de teatro. Além disso, o próprio Pessoa vai chamá-lo de teatro.

         Fernando em carta a um editor de outra revista, disse que O Marinheiro era “ uma peça num acto, dum género especial a que eu chamo estático." E por que estático? Bem isso já parece uma contradição já que todo drama é feito por ações e estático é algo parado.

          É o próprio Pessoa que explica: "Chamo teatro estático àquele cujo enredo dramático não constitui ação – isto é, onde as figuras não só não agem, porque nem se deslocam nem dialogam sobre deslocarem-se, mas nem sequer têm sentidos capazes de produzir uma ação; onde não há conflito nem perfeito enredo.” E ele continua: “...o enredo do teatro é, não a ação nem a progressão e conseqüência da ação – mas, mais abrangentemente, a revelação das almas através das palavras trocadas e a criação de situações.”

          Ou seja, o importante para Pessoa nessa peça de teatro não era a ação, mas a revelação da alma e o dramaturgo poderia fazer isso sem qualquer ação, mas apenas com as palavras trocadas entre os personagens.

          A peça O Marinheiro,  que Pessoa dedica a Carlo Franco, um pintor português, se passa em um único cenário, já que era estático. Era o quarto de um castelo antigo e o autor nos diz que é um quarto circular e que no centro desse círculo tem um caixão com uma donzela de branco. Não sabemos em que ano ou em qual época a peça se passa. Mas como não há luz, mas apenas velas iluminando o ambiente, imaginamos que seja um tempo antigo. Já que a eletricidade só chegou a Europa no final do século XIX.

         Em um canto, tem uma única janela de onde se percebe que é de noite, e perto dessa janela estão três mulheres que velam o corpo da donzela. Nós também não sabemos qual a relação que as veladoras têm com a donzela morta.

        As mulheres não vão ter nome, mas serão chamadas apenas de primeira, segunda e terceira veladoras. Elas não sabem que horas são porque não há nenhum relógio no quarto, e para passar o tempo mais rápido, a primeira veladora sugere que elas contem sobre si, sobre o que foram, sobre o passado de cada uma. Há um pouco de resistência da segunda veladora, mas elas acabam falando dos seus passados.

          Assim ficamos sabendo que "a primeira veladora viveu a infância em uma floresta, onde havia um lago. A segunda morava perto do mar e entre rochedos na sua infância e a terceira viveu entre ramos, fontes e lagos. " Reparem que nos três casos há a presença da água, seja em lagos, mar ou fontes, que é um elemento que aparece bastante na obra de Fernando Pessoa e não por acaso em uma obra que se chama O Marinheiro.

        E o marinheiro? Ele não é um personagem presente, mas faz parte de um sonho da segunda veladora. Ela conta que em seu sonho, o marinheiro estava perdido em uma ilha distante. E que sozinho, ele sonhava acordado, criando uma outra realidade. O problema é que ele viveu tanto tempo esse sonho que quando quis voltar à verdadeira realidade, não conseguiu. Percebam que é o sonho do marinheiro, dentro do sonho da veladora. Um sonho dentro de outro.

          Não podemos esquecer que, mesmo ainda possuindo alguns traços do simbolismo, é uma obra do modernismo, então existe a vontade de fazer diferente. Em muitos momentos, o autor quer nos pôr em dúvida se realmente é realidade ou apenas um sonho.

          A segunda veladora chega a dizer: “Talvez nada disso seja verdade... Todo este silêncio e esta morta, e este dia que começa não são talvez senão um sonho...”

         E quando a primeira veladora pergunta à segunda como acabou o sonho do marinheiro, ela responde que não acabou, que nenhum sonho acaba.

          Para completar o mistério quase no fim da peça, a segunda veladora pergunta: “Quem é a quinta pessoa neste quarto que estende o braço e nos interrompe sempre que vamos a sentir?” Ora, não tem uma quinta pessoa. Há somente quatro personagens: as três veladoras e a morta. Então, a quinta pessoa, tanto pode ser o marinheiro, como o autor ou até mesmo o espectador que, de alguma forma, também fazem parte da trama. Você vai encontrar diversas interpretações diferentes desse quinto personagem, que o autor, propositalmente, deixou para que o leitor ou o espectador da peça conclua por si só.

         A peça termina quando um galo canta, a luz aumenta como se o dia finalmente chegasse e um carro chia ao longe. E as três veladoras quedam-se silenciosas, ou seja, quedar no sentido de ficaram quietas, permaneceram silenciosas.

         Então, de forma resumida, o que você precisa guardar é:

        O Marinheiro é uma peça de teatro em um único ato. É chamada por Fernando Pessoa de teatro estático porque as personagens não fazem nenhuma ação a não ser falar. A reflexão é mais importante do que a ação.

        É uma peça do modernismo, mas ainda traz consigo alguns elementos do simbolismo como o mistério, a exaltação do sonho, da imaginação e, principalmente, a subjetividade. E é uma história que nos questiona os limites entre a realidade e o sonho, entre ser e não ser.

       Há outras resenhas aqui no site de outras obras de Fernando Pessoa, que também lhe ajudam a entender melhor sua produção literária. E claro que ler, estudar e analisar O Marinheiro é importante para conhecer uma outra faceta da obra de uma dos maiores escritores de todos os tempos.

Vídeo-resenha: https://www.youtube.com/watch?v=Gek3Kqq4ETQ

FICHA TÉCNICA

Título Original – O Marinheiro

Edição Original – 1915

Edição utilizada nessa resenha – 1983

Editora  Nova Aguilar– Rio de Janeiro

Número de páginas – 10

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